Observações sobre “O ramo de ouro” de Frazer: Difference between revisions

no edit summary
No edit summary
No edit summary
Line 268: Line 268:


<span id="parte-ii">'''II. Teil'''</span>
<span id="parte-ii">'''II. Teil'''</span>
[168
Isto, naturalmente, não quer dizer que o povo acredite que o soberano tenha tais poderes, e o soberano sabe muito bem que ele não tem, ou então ele só não sabe disso se for um imbecil ou um demente. É que a noção do seu poder é de tal modo estabelecida, que ela pode coincidir com a experiência – do povo e a sua. Que assim, de algum modo, a hipocrisia desempenha um certo papel,
'''(MS 143, p. 1)'''
só é verdadeiro na medida em que ela fica próxima da maioria das coisas que as pessoas fazem.<sup>120</sup>
169
Quando uma pessoa na nossa (ou melhor, na minha) companhia ri muito, eu pressiono quase espontaneamente os meus lábios, como se acreditasse que com isso ele poderia manter juntos os seus.<sup>122</sup>
'''(MS 143, p. 2)'''
170<sup>123</sup>
O absurdo consiste em que Frazer apresenta isso como se esses povos tivessem uma representação inteiramente falsa (ou até delirante) do curso da natureza, enquanto que eles só possuem uma interpretação peculiar dos fenômenos. Ou seja, se eles redigissem o seu conhecimento natural, não se diferenciaria ''fundamentalmente'' do nosso. Apenas a sua ''magia'' é diferente.<sup>124</sup>
'''(MS 143, p. 3)'''
171<sup>125</sup>
―A network of prohibitions and observances of which the intention is not to contribute to his dignity...‖ (―Uma rede de proibições e observâncias cuja intenção não é contribuir para a sua dignidade...‖) Isto é verdadeiro e falso. Decerto não a dignidade da proteção da pessoa, mas sim – por assim dizer – a santidade natural da divindade nele.]<sup>126</sup>
Por simples que pareça: a diferença entre a magia e a ciência pode ser posta nos seguintes termos:
'''(MS 143, p. 4)'''
nesta existe um progresso, mas não na magia. Na magia não existe um rumo evolutivo que esteja nela mesma.<sup>127</sup>
'''(MS 143, p. 5''')
[179<sup>128</sup>
Quanto mais verdade nisso, de que à alma seria dada a mesma multiplicidade que ao corpo, do que numa moderna teoria aguada.<sup>129</sup>
Frazer não nota que aqui temos diante de nós as doutrinas de Platão e Schopenhauer.<sup>130</sup>
'''(MS 143, p. 6)'''
Reencontramos todas as teorias ingênuas (infantis) na filosofia atual; somente não com o encantamento da ingenuidade.<sup>131</sup>
'''(MS 143, p. 7)''']
614<sup>132</sup>
Fora as semelhanças, o que mais chama a atenção me pareceria ser a diferença entre todos esses rituais. É uma variedade de rostos com feições comuns<sup>133</sup> que sempre ressurgem cá e lá.  E o que se gostaria de fazer, é puxar a linha que liga os componentes comuns.<sup>134</sup> Então ainda falta uma parte da reflexão, e esta é aquela que conecta tal imagem com os nossos próprios sentimentos e pensamentos. Esta parte confere à reflexão a sua profundidade.<sup>135</sup>
'''(MS 143, p. 8)'''
Em todas essas práticas certamente vê-se algo que ''se assemelha'' com a associação de ideias e lhe é aparentado.<sup>136</sup> Poder-se-ia falar de uma associação de práticas.
'''(MS 143, p. 9)'''
618 137
Nada fala a favor de por que a fogueira deveria ser circundada com essa auréola. E que estranho, o que quer dizer na realidade ―parece provir do céu‖? De que céu? Não, não é de nenhum modo evidente que a fogueira venha a ser considerada assim – mas ela foi justamente considerada assim.<sup>138</sup>
'''(MS 143, p. 10)'''
618
Aqui a hipótese parece, antes de tudo, dar profundidade à coisa. E pode- se evocar a explicação da estranha relação de Siegfried e Brunilda na nova canção dos Nibelungos. A saber, que Siegfried parece já ter visto Brunilda uma vez antes. É claro agora que o que dá profundidade a esta prática é a sua ''conexão'' com a queima de uma pessoa.<sup>139</sup> Se fosse um costume de outro festival, em que os homens (como o jogo do cavaleiro e do corcel) cavalgam uns sobre os outros, então nada veríamos ali senão uma forma de transporte que lembra um homem andando a cavalo; — se, entretanto, soubéssemos que tinha sido o costume de muitos povos «i por exemplo» utilizar escravos como cavalgadura e assim celebrar certos festivais montados, então descobriríamos «veríamos» «encontraríamos» aqui agora, na prática inofensiva do nosso tempo, algo mais profundo e menos inofensivo. A pergunta é: esta coisa  – digamos – tenebrosa se  fixa à prática (em si) das fogueiras de Beltane, tal como ela foi executada há 100 anos, ou só quando a hipótese da sua origem fosse confirmada? Eu creio que isto é revelador da natureza interna
'''(MS 143, p. 11)'''
da própria prática «moderna», que nos parece tenebroso, e de que para nós fatos conhecidos de sacrifícios humanos indicam apenas a direção em que devemos ver tal prática.<sup>140</sup> Quando falo da natureza interna da prática, me refiro a todas as circunstâncias pelas quais ela é executada e que não estão compreendidas no relato desse festival, pois elas não consistem tanto em determinadas ações que a caracterizam, quanto nas que se podem denominar como o espírito do festival,<sup>141</sup> que seria descrito quando se descreve, por exemplo, o tipo de gente que dele participa, seus outros tipos de ação, isto é, seu caráter; o tipo dos jogos que eles costumam jogar. Então se veria que o tenebroso está no próprio caráter desses homens. <sup>142</sup>
'''(MS 143, p. 12)'''
619143
Aqui, algo parece com os restos de um sorteio. E por esse aspecto, de repente, isso ganha profundidade.<sup>144</sup> Se percebêssemos que o bolo teve  de ser assado «originalmente» com botões, possivelmente em honra do fabricante de botões «no seu aniversário», e que a prática tivesse sido conservada  na  região,  então  essa prática de fato perderia toda a ―profundidade‖, a não ser que ela residisse em si em sua forma presente.<sup>145</sup>   No  entanto, freqüentemente  se  diz  num  caso como esse: ―essa prática é ''evidentemente'' muito antiga‖. De onde se sabe disso? Só porque se tem testemunho histórico sobre esse tipo de práticas antigas? Ou tem ainda um outro fundamento, um que se adquire por interpretação? Contudo, mesmo quando é historicamente provada a origem pré-histórica da prática e a sua filiação a uma prática tenebrosa, ainda assim é possível que hoje a prática ''nada mais'' tenha em si de tenebrosa, que nada do antigo horror fique nela retida. Talvez hoje ela só seja praticada por crianças que competem em assar bolos e ornamentá-los com botões.
'''(MS 143, p. 13)'''
Por isso, então, a profundidade está somente no pensamento de uma filiação. Entretanto, esta pode ser totalmente incerta, e poder-se-ia dizer: ―para que tomar cuidados «ocupar-se» com uma coisa tão incerta‖ (como uma Elsa esperta<sup>146</sup> que olha para trás)? Mas não se trata de tais preocupações. – Sobretudo: de onde vem a segurança de que uma tal prática  tem que  ser muito antiga  (quais são os  nossos dados,  qual é  a verificação)? Entretanto nós temos uma segurança, não poderíamos estar equivocados e ter sido convencidos «i historicamente» de um equívoco? Certamente, mas então permanece sempre, claro, alguma coisa da qual estamos seguros. Poderíamos, «i portanto», dizer: ―Bem, nesse caso a procedência poderia ser outra, mas em geral ela é certamente a pré- histórica‖. Aquilo que para nós é uma ''evidência'' disto, tem que conter a profundidade dessa suposição. E essa evidência é novamente psicológica «i e não-hipotética».<sup>147</sup> Se eu digo, por exemplo: a profundidade nessa prática está na sua procedência, ''se'' ela aconteceu assim. Então, a profundidade <s>deve</s> está no pensamento de uma tal procedência, ou a profundidade é «i ela mesma» apenas hipotética e só se pode dizer: ''se'' isso aconteceu assim,
'''(MS 143, p. 14)'''
então foi uma história profunda e tenebrosa. Quero dizer: o tenebroso, o profundo, não reside no fato de ela ter ocorrido dessa forma, pois talvez ela não tenha ocorrido assim; nem tampouco que ela talvez ou realmente tenha sido assim, senão naquilo que me dá fundamento para isso supor  tal suposição.<sup>148</sup> Claro, de onde vem na realidade o profundo e o tenebroso no sacrifício humano? São pois só os sofrimentos da vítima que nos impressionam? Doenças de todo tipo, que são ligadas a sofrimentos do mesmo tipo, não provocam ''contudo'' essa impressão. Não, esse profundo e tenebroso não são evidentes se nós só ficamos conhecendo a história da ação manifestada, pelo contrário ''nós'' o reintroduzimos a partir de uma experiência da nossa interioridade.<sup>149</sup>
O fato de que a sorte seja tirada de um bolo tem (também) algo de particularmente espantoso (próximo de uma traição por um beijo), e que isso nos cause a impressão de ser particularmente espantoso, tem novamente um significado essencial para a investigação dessas
'''(MS 143, p. 15)'''
práticas {de uma tal prática}.<sup>150</sup>
Quando vejo essa prática, ouço sobre ela, é como ver um homem que, por um «ensejo» motivo insignificante, fala severamente com outro, e notar, pelo tom «i de voz» e pelo rosto, que esse homem, em dada ocasião, pode ser horrível. A impressão que obtenho aqui pode ser de um tipo mais profundo e extraordinariamente sério.
O ''entorno'' de uma maneira de agir.<sup>151</sup>
Uma <s>suposição</s> convicção, em todo caso, serve como fundamento para suposições sobre, por exemplo, a origem do Festival de Beltane; que é a de  que esse  festival  não foi inventado por nenhuma  pessoa  por acaso, digamos, mas é preciso uma base infinitamente mais ampla para conseguir isso. Se eu quisesse inventar um festival, ele se extinguiria muito rápido ou então se modificaria de tal forma que corresponderia a uma inclinação geral das pessoas.<sup>152</sup>
O que nos previne, porém, contra a suposição de que o Festival de Beltane tivesse sido sempre celebrado na forma presente (ou do passado recente)? Poder-se-ia dizer: é muito sem sentido para ter sido
'''(MS 143, p. 16)'''
inventado assim. Não é como quando vejo uma ruína e digo: isso deve ter sido alguma vez uma casa, pois ninguém teria erguido um monte já formado de pedras talhadas e irregulares? E se me perguntassem: como é que sabes disso, só poderia então dizer: minha experiência com as pessoas me ensinou. Sim, mesmo onde realmente se constroem ruínas, elas tomam a forma de casas desmoronadas.<sup>153</sup>
Poder-se-ia também dizer assim: quem quisesse nos impressionar com o relato do Festival de Beltane, não precisaria, em todo caso, externar a hipótese da sua origem, ele só precisaria nos apresentar o material (que conduz à sua hipótese) e não dizer nada mais sobre isso.<sup>154</sup> Então se poderia talvez dizer: ―Sem dúvida, porque o ouvinte, ou leitor, vai tirar a conclusão por si mesmo!‖ Mas ele tem que tirar essa conclusão explícita? Tem mesmo que tirá-la? E que tipo então de conclusão é essa? Que esta ou aquela é ''provável''?! E se ele pode tirar a conclusão por si mesmo, <s>por</s> <s>que</s> como deve a conclusão impressioná-lo? O que lhe impressiona tem que ser aquilo que ''ele'' não fez! Impressionou-o, portanto, primeiro a hipótese expressa <s>ou toda</s> (por ele ou por outro), ou já o material referente a ela?
'''(MS 143, p. 17)'''
Mas não poderia eu igualmente perguntar: se vejo alguém sendo assassinado – isso me impressiona simplesmente porque vejo ou vem primeiro a hipótese de que aqui uma pessoa é assassinada?<sup>155</sup>
Mas não é simplesmente o pensamento da possível origem do Festival de Beltane que leva consigo a impressão, senão o que se chama de monstruosa probabilidade desse pensamento. Como aquilo que é tirado do material.<sup>156</sup>
Assim como o Festival de Beltane chegou até nós, ele seria um espetáculo e se assemelharia a quando as crianças brincam de ladrão. Mas não é assim. Pois mesmo estando combinado que a equipe que consegue salvar a vítima ganha, ainda assim o que ocorre tem sempre um acréscimo de vivacidade que a mera apresentação dramática não tem. – Porém mesmo quando se trata apenas de uma apresentação totalmente fria, nos perguntamos com inquietação: o que quer dizer esta apresentação, qual é o seu ''sentido''?! E ela poderia, independentemente de qualquer interpretação, nos inquietar pela sua própria falta de sentido. (O que mostra que tipo de fundamento pode ter uma tal inquietação).<sup>157</sup> Suponhamos talvez agora uma interpretação inócua: o
'''(MS 143, p. 18)'''
sorteio é simplesmente feito, e com isso haveria divertimento em alguém poder ser ameaçado de ser jogado no fogo, algo que não seria agradável; assim, o Festival de Beltane seria muito semelhante a quaisquer diversões em que certas atrocidades da sociedade têm que ser toleradas e, tais como são, satisfazem uma necessidade. Com uma explicação como essa, o Festival de Beltane perderia realmente todo o mistério, se ele mesmo não se afastasse tanto da ação quanto da atmosfera de familiaridade de brincadeiras como as de ladrão etc.<sup>158</sup>
Tal como se as crianças em certos dias queimassem um espantalho, não havendo para isso nenhuma explicação, o que nos deixaria intranqüilos. Estranho que ''uma pessoa'' deva ser queimada festivamente «i pelos seus»! Quero dizer: a solução não é mais inquietante que o enigma.<sup>159</sup>
Por que não deve ser realmente só o ''pensamento'' (ou ao menos parcialmente) que me impressiona? Não são as representações, com efeito, temíveis? Eu poderia pretender que não fosse horripilante o pensamento de que o bolo com botões foi servido para sortear a morte da vítima? Não tem o ''pensamento''
'''(MS 143, p. 19)'''
algo de temível? – Sim, mas o que vejo nesses relatos é obtido, claro, pela evidência, mas também por aquela que não parece estar imediatamente ligada a eles: pelo pensamento sobre o homem e seu passado, por toda a estranheza<sup>160</sup> que vejo, vi e ouvi em mim e no outro.<sup>161</sup>
'''(MS 143, p. 20)'''
[640<sup>162</sup>
Isso pode muito bem ser pensado – e talvez fosse dado como fundamento que os santos protetores, em caso contrário, entrariam em conflito, porque só um poderia ser o dirigente. Mas isso também é só uma interpretação (posterior) do instinto.<sup>163</sup>
Todas essas ''diferentes'' práticas mostram que não se trata aqui da filiação de uma a outra,
'''(MS 143, p. 21)'''
mas de um espírito comum. Poder-se-ia inventar (fabricar) todas essas mesmas cerimônias. E o espírito pelo qual se as inventaria, seria precisamente o seu espírito comum.<sup>164</sup>
641.165 A ligação entre doença e sujeira. ―Limpar de uma doença‖.<sup>166</sup>
Uma teoria infantil e simplória da doença nos é fornecida, a de que ela é uma sujeira que pode ser lavada.
Assim como existem ―teorias sexuais infantis‖, também há teorias infantis em geral. Isso não quer dizer que tudo o que uma criança faz, saia ''de'' uma
'''(MS 143, p. 22)'''
teoria infantil tomada como seu fundamento.<sup>167</sup>
O correto e interessante não é dizer: isto saiu daquilo, senão: poderia ter saído assim.<sup>168</sup>
'''(MS 143, p. 23)'''
643<sup>169</sup>
Que o fogo tenha sido usado para a purificação, está claro. Porém, nada pode ser mais provável do que o fato de que as pessoas que pensam associaram mais tarde as cerimônias de purificação ao sol, mesmo onde originalmente elas tinham sido pensadas só no sentido de purificação. Se um pensamento se impõe a uma pessoa
'''(MS 143, p. 24)'''
(fogo-purificação) e a um outro se impõe outro pensamento (fogo-sol), o que  pode  ser  mais  provável   que a  uma  pessoa  se  imponham  dois pensamentos?<sup>170</sup> Os eruditos que sempre gostariam de ter ''uma'' teoria!!!<sup>171</sup>
A destruição ''total'' pelo fogo, em vez de por esquartejamento, rompimento etc., deve ser sido notada pelas pessoas.
Mesmo se não houvesse conhecimento de um tal pensamento de ligação entre purificação e sol, seria possível supor que ele de alguma maneira se apresentaria.<sup>172</sup>
'''(MS 143, p. 25)'''
680<sup>173</sup>  ―soul-stone‖ (―pedra-alma‖). Aqui  se vê  como  trabalha uma  tal hipótese.<sup>174</sup>
'''(MS 143, p. 26)'''
681<sup>175</sup>
Isso indicaria<sup>176</sup> que há como fundamento uma verdade e não uma superstição. (Na realidade, diante do cientista tolo, é fácil cair no espírito contestatório.)<sup>177</sup> Mas poderia muito bem ser o caso de que o corpo completamente sem cabelos nos nos induzisse em algum sentido a perder o auto-respeito. (Irmãos Karamazoff.) Não há dúvida de que uma mutilação que aos nossos
'''(MS 143, p. 27)'''
olhos parece indigna, risível, pode roubar toda a vontade de nos defender. Como muitas vezes nos constrangemos – ou pelo menos muitas pessoas (eu) – por causa da nossa inferioridade física ou estética.<sup>178</sup>
'''(MS 143, p. 28)''']