Tractatus Logico-Philosophicus (português): Difference between revisions

no edit summary
No edit summary
No edit summary
Line 376: Line 376:


'''3.323''' Na linguagem corrente amiúde acontece que a mesma palavra designa de modos diferentes — pertencendo, pois, a símbolos diferentes — ou ainda duas palavras, que designam de modos diferentes, são empregadas na proposição superficialmente da mesma maneira.
'''3.323''' Na linguagem corrente amiúde acontece que a mesma palavra designa de modos diferentes — pertencendo, pois, a símbolos diferentes — ou ainda duas palavras, que designam de modos diferentes, são empregadas na proposição superficialmente da mesma maneira.
Assim a palavra "é" aparece como cópula, como sinal de igualdade e expressão da existência; "existir", enquanto verbo intransitivo do mesmo modo que "ir"; "idêntico", enquanto adjetivo: falamos a respeito de ''algo'', mas também de que ''algo'' acontece.
(Na proposição "Rosa é rosa" ("Grün ist grün") — onde a primeira palavra é nome de pessoa e a última é adjetivo — ambas as palavras não têm apenas denotações diferentes, mas constituem ''símbolos diferentes''.)
'''3.324''' Nascem, assim, as confusões mais fundamentais (de que tôda a filosofia está plena).
'''3.325''' Para evitar êsses erros devemos usar uma linguagem simbólica que os exclua, pois esta não empregará superficialmente o mesmo signo para símbolos diferentes, e não empregará signos, que designam de maneira diversa, do mesmo modo. Uma linguagem simbólica, portanto, que obedeça à gramática ''lógica'' — à sintase lógica.
(A ideografia de Frege, ou a de Russell, constitui uma tal linguagem que, no entanto, não elimina todos os erros.)
'''3.326''' Para reconhecer o símbolo no signo deve-se atentar para seu uso significativo.
'''3.327''' O signo determina uma forma lógica somente junto de sua utilização lógico-sintática.
'''3.328''' Se um signo ''não'' tem ''serventia'', então êle é desprovido de denotação. Este é o sentido do lema de Occam.
(Se tudo se passa como se um signo tivesse denotação, então êle a terá.)
'''3.33''' Na sintaxe lógica a denotação de um signo não há de desempenhar papel algum, a sintaxe deve elaborar-se sem que surja a preocupação com a ''denotação'', devendo pressupor ''apenas'' a descrição das expressões.
'''3.331''' Feita esta observação, consideremos a ''Theory of types'' de Russell: o erro dêste se revela quando, ao elaborar as regras dos signos, teve de apelar para a denotação dêsses signos.
'''3.332''' Nenhuma proposição pode assertar algo sôbre si mesma, pois o signo proposicional não pode estar contido em si mesmo (aí está tôda a ''Theory of types'').
'''3.333''' Uma função por isso não pode ser seu próprio argumento, pois o signo da função já contém a protofiguração de seu argumento, e não contém a si própria.
Tomemos, por exemplo, a função ''F''(''fx'') podendo ser seu próprio argumento; haveria então uma proposição "''F''(''F''(''fx''))", em que a função externa ''F'' e a interna ''F'' teriam denotações diferentes; a interna tendo como forma ''ϕ''(''fx''), a externa, ''ψ''(''ϕ''(fx)). Ambas as funções têm em comum apenas a letra "''F''" que nada designa.
Isto se torna claro logo que, em vez de "''F''(''F''(''u''))", escrevemos "(∃''ϕ'') : ''F''(''ϕu'') . ''ϕu'' = ''Fu''".
Isto liquida o paradoxo de Russell.
'''3.334''' As regras da sintaxe lógica devem ser entendidas de per si, desde que se saiba apenas como cada signo designa.
'''3.34''' A proposição possui traços essenciais e acidentais.
Acidentais são os traços que derivam da maneira particular de produzir o signo proposicional; essenciais, aqueles que sozinhos tornam a proposição capaz de exprimir seu sentido.
'''3.341''' É pois essencial na proposição o que é comum a todas as proposições que podem exprimir o mesmo sentido.
E do mesmo modo é em geral essencial no símbolo o que é comum a todos os símbolos que podem preencher o mesmo fim.
'''3.3411''' Seria então possível dizer: o nome autêntico é aquilo que todos os símbolos que designam o objeto têm em comum. Daí resultaria paulatinamente que nenhuma composição é essencial para o nome.
'''3.342''' Há com efeito em nossa notação algo arbitrário, mas ''o seguinte'' não o é: se determinarmos algo arbitràriamente, então algo a mais deve ocorrer. (Isto depende da ''essência'' da notação.)
'''3.3421''' Um modo particular de designação pode ser desimportante, mas é sempre importante que seja um modo ''possível'' de designação. Esta é a situação na filosofia em geral: o singular se manifesta repetidamente como desimportante, mas a possibilidade de cada singular nos dá um esclarecimento sobre a essência do mundo.
'''3.343''' Definições são regras para a tradução de uma linguagem a outra. Cada linguagem simbólica correta deve deixar-se traduzir numa outra segundo tais regras: ''isto'' é tudo o que elas têm em comum.
'''3.344''' O que designa no símbolo é o que é comum a todos os símbolos pelos quais o primeiro pode ser substituído de acordo com as regras da sintaxe lógica.
'''3.441''' É possível, por exemplo, exprimir do seguinte modo o que é comum a tôdas as notações para as funções de verdade: é-lhes comum, por exemplo, ''poderem ser substituídas'' pela notação "∼''p''" ("não ''p''") e "''p'' ∨ ''q''" ("''p'' ou ''q''").
(Com isso se indica a maneira pela qual uma notação especialmente possível nos pode dar esclarecimentos gerais.)
'''3.3442''' O signo do complexo não se divide pela análise arbitràriamente, de modo que sua divisão fôsse diferente em cada construção proposicional.
'''3.4''' A proposição determina um lugar no espaço lógico. A existência dêsse espaço lógico é assegurada apenas pela existência das partes constitutivas, pela existência das proposições significativas.
'''3.41''' O signo proposicional e as coordenadas lógicas: é isto o lugar lógico.
'''3.411''' O lugar geométrico e o lógico concordam em que ambos consistem na possibilidade de uma existência.
'''3.42''' Se bem que a proposição deva determinar apenas um lugar do espaço lógico, o espaço lógico inteiro já deve ser dado por ela.
(Em caso contrário, novos elementos — em coordenação — sempre se introduziriam por meio da negação, da soma lógica, do produto lógico, etc.)
(O andaime lógico em volta da figuração determina o espaço lógico. A proposição apanha o espaço lógico inteiro.)
'''3.5''' O signo proposicional empregado e pensado é o pensamento.
'''4''' O pensamento é a proposição significativa.
'''4.001''' A totalidade das proposições é a linguagem.
'''4.002''' O homem possui a capacidade de construir linguagens nas quais cada sentido se deixa exprimir, sem contudo pressentir como e o que cada palavra denota. — Assim se fala sem saber como os sons singulares são produzidos.
A linguagem corrente forma parte do organismo humano e não é menos complicada do que êle.
É humanamente impossível de imediato apreender dela a lógica da linguagem.
A linguagem veda o pensamento; do mesmo modo, não é possível concluir, da forma exterior da veste, a forma do pensamento vestido por ela, porquanto a forma exterior da veste não foi feita com o intuito de deixar conhecer a forma do corpo.
Os acordos silenciosos para entender a linguagem corrente são enormemente complicados.
'''4.003''' A maioria das proposições e questões escritas sôbre temas filosóficos não são falsas mas absurdas. Por isso não podemos em geral responder a questões dessa espécie, apenas estabelecer seu caráter absurdo. A maioria das questões e das proposições dos filósofos se apóiam, pois, no nosso desentendimento da lógica da linguagem.
(São questões da seguinte espécie: o bem é mais ou menos idêntico do que a beleza?)
Não é, pois, de admirar que os mais profundos problemas ''não'' constituam propriamente problemas.
'''4.0031''' Tôda filosofia é "crítica da linguagem". (Por certo, não no sentido de Mauthner). O mérito de Russell é ter mostrado que a forma aparentemente lógica da proposição não deve ser sua forma real.
'''4.01''' A proposição é figuração da realidade.
A proposição é modêlo da realidade tal como a pensamos.
'''4.011''' À primeira vista, a proposição — em particular tal como está impressa no papel — não parece ser figuração da realidade de que trata. Mas tampouco a escrita musical parece à primeira vista ser figuração da música, e nossa escrita fonética (letras), figuração da linguagem falada.
No entanto, essas linguagens simbólicas se manifestam, também no sentido comum, como figurações do que representam.
'''4.012''' É óbvio que percebemos como figuração uma proposição da forma "''aRb''". Aqui o signo é òbviamente um símile do designado.
'''4.013''' E quando entramos no que é essencial dessa figuratividade vemos que ela ''não'' é perturbada por ''aparentes irregularidades'' (como o emprego de ♯ e de ♭ na escrita musical).
Porquanto também essas irregularidades afiguram o que devem expressar, apenas de outra maneira.
'''4.014''' O disco da vitrola, o pensamento e a escrita musicais, as ondas sonoras estão uns em relação aos outros no mesmo relacionamento existente entre a linguagem e o mundo.
A todos é comum a construção lógica.
(Como na estória dos dois jovens, seus dois cavalos e seus lírios. Num certo sentido, todos são um.)
'''4.0141''' Que exista uma regra geral por meio da qual o músico possa apreender a sinfonia a partir da partitura, regra por meio da qual se possa derivar a sinfonia das linhas do disco e ainda, segundo a primeira regra, de novo derivar a partitura; nisto consiste propriamente a semelhança interna dessas figuras aparentemente tão diversas. E essa regra é a lei de projeção que projeta a sinfonia na linguagem musical. É a regra da tradução da linguagem musical para a linguagem do disco.
'''4.015''' A possibilidade de todos êsses símiles, a figuratividade inteira de nosso modo de expressão, se apóia na lógica da afiguração.
'''4.016''' Para compreender a essência da proposição, convém pensar na escrita hieroglífica que afigura os fatos que descreve.
E dela provém o alfabeto sem perder o que é essencial na afiguração.
'''4.02''' Isto se vê ao entendermos o sentido do signo proposicional sem que êle nos tenha sido explicado.
'''4.021''' A proposição é figuração da realidade; pois conheço a situação representada por ela quando entendo a proposição. E entendo a proposição sem que o sentido me seja explicado.
'''4.022''' A proposição ''mostra'' seu sentido.
'''4.023''' A proposição ''mostra'', ''se'' fôr verdadeira, como algo está. E ''diz que'' isto ''está'' assim.
Por meio da proposição a realidade deve ser fixada enquanto sim ou enquanto não.
Por isso deve ser completamente descrita por ela.
A proposição é a descrição de um estado de coisas.
Assim como a descrição de um objeto se dá segundo suas propriedades externas, a proposição descreve a realidade segundo suas propriedades internas.
A proposição constrói o mundo com a ajuda de andaimes lógicos, e por isso é possível, na proposição, também se ver, ''caso'' ela fôr verdadeira, como tudo que é lógico está. Pode-se de uma proposição falsa ''tirar conclusões''.
'''4.024''' Compreender uma proposição é saber o que ocorre, caso ela fôr verdadeira.
(É possível, pois, compreendê-la sem saber se é verdadeira.)
Ela será compreendida, caso se compreenda suas partes constituintes.
'''4.025''' A tradução de uma linguagem para outra não se dá como se se traduzisse cada ''proposição'' de uma numa ''proposição'' da outra, mas somente as partes da proposição são traduzidas.
(E o dicionário não traduz apenas substantivos, mas ainda verbos, adjetivos, conectivos, etc.; e trata-os todos de modo igual.)
'''4.026''' As denotações dos signos simples (das palavras) nos devem ser explicadas para que as compreendamos.
Com as proposições, no entanto, compreendemo-nos a nós mesmos.
'''4.027''' Está na essência da proposição poder comunicar-nos um ''nôvo'' sentido.
'''4.03''' Uma proposição deve comunicar nôvo sentido com velhas expressões.
A proposição nos comunica uma situação, de sorte que deve estar ''essencialmente'' vinculada a ela.
E a vinculação consiste precisamente em que ela é sua figuração lógica.
A proposição só asserta algo enquanto é figuração.
'''4.031''' Uma situação é justaposta à proposição, por assim dizer, por tentativas.
É possível dizer diretamente: esta proposição representa esta ou aquela situação, em vez de esta proposição tem êste ou aquêle sentido.
'''4.0311''' Um nome presenta uma coisa, outro, outra coisa, e estão ligados entre si de tal modo que o todo como quadro vivo — (''ein lebendes Bild'') — presenta o estado de coisas.
'''4.0312''' A possibilidade da proposição se estriba no princípio da substituição dos objetos por meio de signos.
Meu pensamento basilar é que as "constantes lógicas" nada substituem; que a ''lógica'' dos fatos não se deixa substituir.
'''4.032''' A proposição é uma figuração da situação únicamente enquanto fôr lògicamente articulada.
(Também a proposição ''Ambulo'' é composta, pois sua raiz com outra desinência nos dá outro sentido, o mesmo acontecendo se esta desinência estiver com outra raiz.)
'''4.04''' Tanto se distinguirá na proposição quanto na situação que ela representa.
Ambos devem possuir a mesma multiplicidade lógica (matemática). (Cf. a mecânica de Hertz a propósito dos modelos dinâmicos.)
'''4.041''' Esta multiplicidade matemática não pode naturalmente ser de nôvo afigurada. Ao afigurar não é possível colocar-se fora dela.
'''4.0411''' Se quiséssemos, por exemplo, exprimir o que é expresso por "(''x'') . ''fx''" apondo um índice junto a "''fx''", a saber: "Univ. ''fx''", isto não bastaria — não saberíamos o que foi universalizado. Se quiséssemos indicá-lo por um índice "''α''" — tal como "f(''x<sub>α</sub>'')", isto também não bastaria — não conheceríamos o escopo da designação da universalidade.
Se quiséssemos tentar graças à introdução de uma marca no lugar do argumento — por exemplo: "(''A'', ''A'') . ''F''(''A'', ''A'')" —, isto também não bastaria, pois não poderíamos fixar a identidade das variáveis. E assim por diante.
Todos êsses modos de designação não bastam, porquanto não possuem a necessária multiplicidade matemática.
'''4.0412''' Pelo mesmo motivo não basta a explicação idealista da visão das relações espaciais por meio de "óculos espaciais", já que êstes não podem explicar a multiplicidade que essas relações possuem.
'''4.05''' Compara-se a realidade com a proposição.
'''4.06''' Somente por isso a proposição pode ser verdadeira ou falsa, quando ela é uma figuração da realidade.