Tractatus Logico-Philosophicus (português): Difference between revisions
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'''3.323''' Na linguagem corrente amiúde acontece que a mesma palavra designa de modos diferentes — pertencendo, pois, a símbolos diferentes — ou ainda duas palavras, que designam de modos diferentes, são empregadas na proposição superficialmente da mesma maneira. | '''3.323''' Na linguagem corrente amiúde acontece que a mesma palavra designa de modos diferentes — pertencendo, pois, a símbolos diferentes — ou ainda duas palavras, que designam de modos diferentes, são empregadas na proposição superficialmente da mesma maneira. | ||
Assim a palavra "é" aparece como cópula, como sinal de igualdade e expressão da existência; "existir", enquanto verbo intransitivo do mesmo modo que "ir"; "idêntico", enquanto adjetivo: falamos a respeito de ''algo'', mas também de que ''algo'' acontece. | |||
(Na proposição "Rosa é rosa" ("Grün ist grün") — onde a primeira palavra é nome de pessoa e a última é adjetivo — ambas as palavras não têm apenas denotações diferentes, mas constituem ''símbolos diferentes''.) | |||
'''3.324''' Nascem, assim, as confusões mais fundamentais (de que tôda a filosofia está plena). | |||
'''3.325''' Para evitar êsses erros devemos usar uma linguagem simbólica que os exclua, pois esta não empregará superficialmente o mesmo signo para símbolos diferentes, e não empregará signos, que designam de maneira diversa, do mesmo modo. Uma linguagem simbólica, portanto, que obedeça à gramática ''lógica'' — à sintase lógica. | |||
(A ideografia de Frege, ou a de Russell, constitui uma tal linguagem que, no entanto, não elimina todos os erros.) | |||
'''3.326''' Para reconhecer o símbolo no signo deve-se atentar para seu uso significativo. | |||
'''3.327''' O signo determina uma forma lógica somente junto de sua utilização lógico-sintática. | |||
'''3.328''' Se um signo ''não'' tem ''serventia'', então êle é desprovido de denotação. Este é o sentido do lema de Occam. | |||
(Se tudo se passa como se um signo tivesse denotação, então êle a terá.) | |||
'''3.33''' Na sintaxe lógica a denotação de um signo não há de desempenhar papel algum, a sintaxe deve elaborar-se sem que surja a preocupação com a ''denotação'', devendo pressupor ''apenas'' a descrição das expressões. | |||
'''3.331''' Feita esta observação, consideremos a ''Theory of types'' de Russell: o erro dêste se revela quando, ao elaborar as regras dos signos, teve de apelar para a denotação dêsses signos. | |||
'''3.332''' Nenhuma proposição pode assertar algo sôbre si mesma, pois o signo proposicional não pode estar contido em si mesmo (aí está tôda a ''Theory of types''). | |||
'''3.333''' Uma função por isso não pode ser seu próprio argumento, pois o signo da função já contém a protofiguração de seu argumento, e não contém a si própria. | |||
Tomemos, por exemplo, a função ''F''(''fx'') podendo ser seu próprio argumento; haveria então uma proposição "''F''(''F''(''fx''))", em que a função externa ''F'' e a interna ''F'' teriam denotações diferentes; a interna tendo como forma ''ϕ''(''fx''), a externa, ''ψ''(''ϕ''(fx)). Ambas as funções têm em comum apenas a letra "''F''" que nada designa. | |||
Isto se torna claro logo que, em vez de "''F''(''F''(''u''))", escrevemos "(∃''ϕ'') : ''F''(''ϕu'') . ''ϕu'' = ''Fu''". | |||
Isto liquida o paradoxo de Russell. | |||
'''3.334''' As regras da sintaxe lógica devem ser entendidas de per si, desde que se saiba apenas como cada signo designa. | |||
'''3.34''' A proposição possui traços essenciais e acidentais. | |||
Acidentais são os traços que derivam da maneira particular de produzir o signo proposicional; essenciais, aqueles que sozinhos tornam a proposição capaz de exprimir seu sentido. | |||
'''3.341''' É pois essencial na proposição o que é comum a todas as proposições que podem exprimir o mesmo sentido. | |||
E do mesmo modo é em geral essencial no símbolo o que é comum a todos os símbolos que podem preencher o mesmo fim. | |||
'''3.3411''' Seria então possível dizer: o nome autêntico é aquilo que todos os símbolos que designam o objeto têm em comum. Daí resultaria paulatinamente que nenhuma composição é essencial para o nome. | |||
'''3.342''' Há com efeito em nossa notação algo arbitrário, mas ''o seguinte'' não o é: se determinarmos algo arbitràriamente, então algo a mais deve ocorrer. (Isto depende da ''essência'' da notação.) | |||
'''3.3421''' Um modo particular de designação pode ser desimportante, mas é sempre importante que seja um modo ''possível'' de designação. Esta é a situação na filosofia em geral: o singular se manifesta repetidamente como desimportante, mas a possibilidade de cada singular nos dá um esclarecimento sobre a essência do mundo. | |||
'''3.343''' Definições são regras para a tradução de uma linguagem a outra. Cada linguagem simbólica correta deve deixar-se traduzir numa outra segundo tais regras: ''isto'' é tudo o que elas têm em comum. | |||
'''3.344''' O que designa no símbolo é o que é comum a todos os símbolos pelos quais o primeiro pode ser substituído de acordo com as regras da sintaxe lógica. | |||
'''3.441''' É possível, por exemplo, exprimir do seguinte modo o que é comum a tôdas as notações para as funções de verdade: é-lhes comum, por exemplo, ''poderem ser substituídas'' pela notação "∼''p''" ("não ''p''") e "''p'' ∨ ''q''" ("''p'' ou ''q''"). | |||
(Com isso se indica a maneira pela qual uma notação especialmente possível nos pode dar esclarecimentos gerais.) | |||
'''3.3442''' O signo do complexo não se divide pela análise arbitràriamente, de modo que sua divisão fôsse diferente em cada construção proposicional. | |||
'''3.4''' A proposição determina um lugar no espaço lógico. A existência dêsse espaço lógico é assegurada apenas pela existência das partes constitutivas, pela existência das proposições significativas. | |||
'''3.41''' O signo proposicional e as coordenadas lógicas: é isto o lugar lógico. | |||
'''3.411''' O lugar geométrico e o lógico concordam em que ambos consistem na possibilidade de uma existência. | |||
'''3.42''' Se bem que a proposição deva determinar apenas um lugar do espaço lógico, o espaço lógico inteiro já deve ser dado por ela. | |||
(Em caso contrário, novos elementos — em coordenação — sempre se introduziriam por meio da negação, da soma lógica, do produto lógico, etc.) | |||
(O andaime lógico em volta da figuração determina o espaço lógico. A proposição apanha o espaço lógico inteiro.) | |||
'''3.5''' O signo proposicional empregado e pensado é o pensamento. | |||
'''4''' O pensamento é a proposição significativa. | |||
'''4.001''' A totalidade das proposições é a linguagem. | |||
'''4.002''' O homem possui a capacidade de construir linguagens nas quais cada sentido se deixa exprimir, sem contudo pressentir como e o que cada palavra denota. — Assim se fala sem saber como os sons singulares são produzidos. | |||
A linguagem corrente forma parte do organismo humano e não é menos complicada do que êle. | |||
É humanamente impossível de imediato apreender dela a lógica da linguagem. | |||
A linguagem veda o pensamento; do mesmo modo, não é possível concluir, da forma exterior da veste, a forma do pensamento vestido por ela, porquanto a forma exterior da veste não foi feita com o intuito de deixar conhecer a forma do corpo. | |||
Os acordos silenciosos para entender a linguagem corrente são enormemente complicados. | |||
'''4.003''' A maioria das proposições e questões escritas sôbre temas filosóficos não são falsas mas absurdas. Por isso não podemos em geral responder a questões dessa espécie, apenas estabelecer seu caráter absurdo. A maioria das questões e das proposições dos filósofos se apóiam, pois, no nosso desentendimento da lógica da linguagem. | |||
(São questões da seguinte espécie: o bem é mais ou menos idêntico do que a beleza?) | |||
Não é, pois, de admirar que os mais profundos problemas ''não'' constituam propriamente problemas. | |||
'''4.0031''' Tôda filosofia é "crítica da linguagem". (Por certo, não no sentido de Mauthner). O mérito de Russell é ter mostrado que a forma aparentemente lógica da proposição não deve ser sua forma real. | |||
'''4.01''' A proposição é figuração da realidade. | |||
A proposição é modêlo da realidade tal como a pensamos. | |||
'''4.011''' À primeira vista, a proposição — em particular tal como está impressa no papel — não parece ser figuração da realidade de que trata. Mas tampouco a escrita musical parece à primeira vista ser figuração da música, e nossa escrita fonética (letras), figuração da linguagem falada. | |||
No entanto, essas linguagens simbólicas se manifestam, também no sentido comum, como figurações do que representam. | |||
'''4.012''' É óbvio que percebemos como figuração uma proposição da forma "''aRb''". Aqui o signo é òbviamente um símile do designado. | |||
'''4.013''' E quando entramos no que é essencial dessa figuratividade vemos que ela ''não'' é perturbada por ''aparentes irregularidades'' (como o emprego de ♯ e de ♭ na escrita musical). | |||
Porquanto também essas irregularidades afiguram o que devem expressar, apenas de outra maneira. | |||
'''4.014''' O disco da vitrola, o pensamento e a escrita musicais, as ondas sonoras estão uns em relação aos outros no mesmo relacionamento existente entre a linguagem e o mundo. | |||
A todos é comum a construção lógica. | |||
(Como na estória dos dois jovens, seus dois cavalos e seus lírios. Num certo sentido, todos são um.) | |||
'''4.0141''' Que exista uma regra geral por meio da qual o músico possa apreender a sinfonia a partir da partitura, regra por meio da qual se possa derivar a sinfonia das linhas do disco e ainda, segundo a primeira regra, de novo derivar a partitura; nisto consiste propriamente a semelhança interna dessas figuras aparentemente tão diversas. E essa regra é a lei de projeção que projeta a sinfonia na linguagem musical. É a regra da tradução da linguagem musical para a linguagem do disco. | |||
'''4.015''' A possibilidade de todos êsses símiles, a figuratividade inteira de nosso modo de expressão, se apóia na lógica da afiguração. | |||
'''4.016''' Para compreender a essência da proposição, convém pensar na escrita hieroglífica que afigura os fatos que descreve. | |||
E dela provém o alfabeto sem perder o que é essencial na afiguração. | |||
'''4.02''' Isto se vê ao entendermos o sentido do signo proposicional sem que êle nos tenha sido explicado. | |||
'''4.021''' A proposição é figuração da realidade; pois conheço a situação representada por ela quando entendo a proposição. E entendo a proposição sem que o sentido me seja explicado. | |||
'''4.022''' A proposição ''mostra'' seu sentido. | |||
'''4.023''' A proposição ''mostra'', ''se'' fôr verdadeira, como algo está. E ''diz que'' isto ''está'' assim. | |||
Por meio da proposição a realidade deve ser fixada enquanto sim ou enquanto não. | |||
Por isso deve ser completamente descrita por ela. | |||
A proposição é a descrição de um estado de coisas. | |||
Assim como a descrição de um objeto se dá segundo suas propriedades externas, a proposição descreve a realidade segundo suas propriedades internas. | |||
A proposição constrói o mundo com a ajuda de andaimes lógicos, e por isso é possível, na proposição, também se ver, ''caso'' ela fôr verdadeira, como tudo que é lógico está. Pode-se de uma proposição falsa ''tirar conclusões''. | |||
'''4.024''' Compreender uma proposição é saber o que ocorre, caso ela fôr verdadeira. | |||
(É possível, pois, compreendê-la sem saber se é verdadeira.) | |||
Ela será compreendida, caso se compreenda suas partes constituintes. | |||
'''4.025''' A tradução de uma linguagem para outra não se dá como se se traduzisse cada ''proposição'' de uma numa ''proposição'' da outra, mas somente as partes da proposição são traduzidas. | |||
(E o dicionário não traduz apenas substantivos, mas ainda verbos, adjetivos, conectivos, etc.; e trata-os todos de modo igual.) | |||
'''4.026''' As denotações dos signos simples (das palavras) nos devem ser explicadas para que as compreendamos. | |||
Com as proposições, no entanto, compreendemo-nos a nós mesmos. | |||
'''4.027''' Está na essência da proposição poder comunicar-nos um ''nôvo'' sentido. | |||
'''4.03''' Uma proposição deve comunicar nôvo sentido com velhas expressões. | |||
A proposição nos comunica uma situação, de sorte que deve estar ''essencialmente'' vinculada a ela. | |||
E a vinculação consiste precisamente em que ela é sua figuração lógica. | |||
A proposição só asserta algo enquanto é figuração. | |||
'''4.031''' Uma situação é justaposta à proposição, por assim dizer, por tentativas. | |||
É possível dizer diretamente: esta proposição representa esta ou aquela situação, em vez de esta proposição tem êste ou aquêle sentido. | |||
'''4.0311''' Um nome presenta uma coisa, outro, outra coisa, e estão ligados entre si de tal modo que o todo como quadro vivo — (''ein lebendes Bild'') — presenta o estado de coisas. | |||
'''4.0312''' A possibilidade da proposição se estriba no princípio da substituição dos objetos por meio de signos. | |||
Meu pensamento basilar é que as "constantes lógicas" nada substituem; que a ''lógica'' dos fatos não se deixa substituir. | |||
'''4.032''' A proposição é uma figuração da situação únicamente enquanto fôr lògicamente articulada. | |||
(Também a proposição ''Ambulo'' é composta, pois sua raiz com outra desinência nos dá outro sentido, o mesmo acontecendo se esta desinência estiver com outra raiz.) | |||
'''4.04''' Tanto se distinguirá na proposição quanto na situação que ela representa. | |||
Ambos devem possuir a mesma multiplicidade lógica (matemática). (Cf. a mecânica de Hertz a propósito dos modelos dinâmicos.) | |||
'''4.041''' Esta multiplicidade matemática não pode naturalmente ser de nôvo afigurada. Ao afigurar não é possível colocar-se fora dela. | |||
'''4.0411''' Se quiséssemos, por exemplo, exprimir o que é expresso por "(''x'') . ''fx''" apondo um índice junto a "''fx''", a saber: "Univ. ''fx''", isto não bastaria — não saberíamos o que foi universalizado. Se quiséssemos indicá-lo por um índice "''α''" — tal como "f(''x<sub>α</sub>'')", isto também não bastaria — não conheceríamos o escopo da designação da universalidade. | |||
Se quiséssemos tentar graças à introdução de uma marca no lugar do argumento — por exemplo: "(''A'', ''A'') . ''F''(''A'', ''A'')" —, isto também não bastaria, pois não poderíamos fixar a identidade das variáveis. E assim por diante. | |||
Todos êsses modos de designação não bastam, porquanto não possuem a necessária multiplicidade matemática. | |||
'''4.0412''' Pelo mesmo motivo não basta a explicação idealista da visão das relações espaciais por meio de "óculos espaciais", já que êstes não podem explicar a multiplicidade que essas relações possuem. | |||
'''4.05''' Compara-se a realidade com a proposição. | |||
'''4.06''' Somente por isso a proposição pode ser verdadeira ou falsa, quando ela é uma figuração da realidade. |
Revision as of 10:23, 26 December 2023
A memória de
David H. Pinsent
Mote: ... e tudo o que se sabe, que não seja apenas rumor ouvido, pode ser dito em três palavras.
Kürnberger
Prefácio
Talvez êste livro sòmente seja compreendido por quem já tenha cogitado por si próprio os pensamentos aqui expressos, ou ao menos cogitado pensamentos semelhantes. Não é, pois, um manual. Terá alcançado seu objetivo se agradar a quem o ler com atenção.
Trata de problemas filosóficos e mostra, creio eu, que o questionar dêsses problemas repousa na má compreensão da lógica de nossa linguagem. Poder-se-ia apanhar todo o sentido do livro com estas palavras: em geral o que pode ser dito, o pode ser claramente, mas o que não se pode falar deve-se calar.
Pretende, portanto, estabelecer um limite ao pensar, ou melhor, não ao pensar mas à expressão do pensamento, porquanto para traçar um limite ao pensar deveríamos poder pensar ambos os lados dêsse limite (de sorte que deveríamos pensar o que não pode ser pensado).
O limite será, pois, traçado únicamente no interior da lingua; tudo o que fica além dêle será simplesmente absurdo.
Não quero julgar até onde meus esforços coincidem com os de outros filósofos. Por certo o que escrevi não pretende ser original no pormenor; por isso não dou fonte alguma, pôsto que me é indiferente se o que pensei já foi pensado por alguém antes de mim.
Quero apenas mencionar que devo grande parte do estímulo a meus pensamentos às grandiosas obras de Frege e aos trabalhos de meu amigo Sr. Bertrand Russell.
Caso meu trabalho tenha valor, êle será duplo. Primeiramente porque exprime pensamentos, valor que será tanto maior quanto melhor os pensamentos forem expressos. Nisto estou consciente de estar muito aquém do possível, simplesmente porque minhas forças são poucas para cumprir a tarefa. Possam outros vir e fazer melhor.
No entanto, a verdade dos pensamentos comunicados aqui me parece intocável e definitiva, de modo que penso ter resolvido os problemas no que é essencial. Se não me engano, o segundo valor dêsse trabalho é mostrar quão pouco se consegue quando se resolvem tais problemas.
Viena, 1918
L. W.
1[1] O mundo é tudo o que ocorre.
1.1 O mundo é a totalidade dos fatos, não das coisas.
1.11 O mundo é determinado pelos fatos e por isto consistir em todos os fatos.
1.12 A totalidade dos fatos determina, pois, o que ocorre e também tudo que não ocorre.
1.13 Os fatos, no espaço lógico, são o mundo. O mundo se resolve em fatos...
1.2 Algo pode ocorrer ou não ocorrer e todo o resto permanecer na mesma.
2 O que ocorre, o fato, é o subsistir dos estados de coisas.
2.01 O estado de coisas é uma ligação de objetos (coisas).
2.011 É essencial para a coisa poder ser parte consti- tuinte de um estado de coisas.
2.012 Nada é acidental na lógica: se uma coisa puder aparecer num estado de coisas, a possibilidade do estado de coisas já deve estar antecipada nela.
2.0121 Parece, por assim dizer, acidental que à coisa, que poderia subsistir sozinha e para si, viesse ajus- tar-se em seguida uma situação..
Se as coisas podem aparecer em estados de coisas, então isto já deve estar nelas.
(Algo lógico não pode ser meramente-possível. A lógica trata de cada possibilidade e todas as possibilidades são fatos que lhe pertencem.)
Assim como não podemos pensar objetos espaciais fora do espaço, os temporais fora do tempo, assim não podemos pensar nenhum objeto fora da possibilidade de sua ligação com outros.
Se posso pensar o objeto ligando-o ao estado de coisas, não posso então pensá-lo fora da possibilidade dessa ligação.
2.0122 A coisa é autônoma enquanto puder aparecer em tôdas as situações possíveis, mas esta forma de autonomia é uma forma de conexão com o estado de coisas, uma forma de heteronomia. (É impossível palavras comparecerem de dois modos diferentes, sòzinhas e na proposição.)
2.0123 Se conheço o objeto, também conheço tôdas as. possibilidades de seu aparecer em estados de coisas.
(Cada uma dessas possibilidades deve estar na natureza do objeto.)
Não é possível posteriormente encontrar nova possibilidade.
2.01231 Para conhecer um objeto não devo com efeito conhecer suas propriedades externas — mas todas as internas.
2.0124 Ao serem dados todos os objetos, dão-se também todos os possíveis estados de coisas.
2.013 Cada coisa está como num espaço de estados de coisas possíveis. Posso pensar êste espaço vazio, mas não a coisa sem o espaço.
2.0131 O objeto espacial deve estar no espaço infinito. (O ponto no espaço é lugar do argumento.)
A mancha no campo visual não deve, pois, ser vermelha, mas deve ter uma côr; tem; por assim dizer, uma espacialidade colorida em volta de si. O som deve possuir uma altura, o objeto do tato, uma dureza, e assim por diante.
2.014 Os objetos contêm a possibilidade de todas as situações.
2.0141 A possibilidade de seu aparecer nos estados de coisas é a forma dos objetos.
2.02 O objeto é simples.
2.0201 Cada asserção sobre complexos deixa-se dividir numa asserção sobre suas partes constitutivas e naquelas proposições que descrevem inteiramente tais complexos.
2.021 Os objetos formam a substância do mundo. Por isso não podem ser compostos.
2.0211 Se o mundo não possuísse substância, para uma proposição ter sentido dependeria de outra proposição ser verdadeira.
2.0212 Seria, pois, impossível traçar uma figuração do mundo (verdadeira ou falsa).
2.022 É claro que um mundo, pensado muito diferente do real, deve possuir algo — uma forma — comum com êste mundo real.
2.023 Esta forma fixa consiste precisamente em objetos.
2.0231 A substância do mundo pode determinar apenas uma forma, mas não propriedades materiais; já que estas são primeiramente representadas pelas proposições — primeiramente formadas pela configuração dos objetos.
2.0232 Aproximadamente falando: os objetos são desprovidos de côr.
2.0233 Dois objetos de mesma forma lógica — abstraindo suas propriedades externas — se diferenciam um do outro apenas por serem distintos.
2.02331 Ou uma coisa possui propriedades que nenhuma outra possui e dêsse modo é possível sem mais separá- la de outras por uma descrição e referir-se a ela; ou, ao contrário, existem várias coisas que possuem tôdas suas propriedades em comum, sendo então impossível em geral indicar uma delas.
Se a coisa não se distingue por nada, não posso então distingui-la, pois do contrário estaria distinguida.
2.024 Substância é o que subsiste independentemente do que ocorre.
2.025 Ela é forma e conteúdo.
2.0251 Espaço, tempo e côr (coloridade) são formas dos objetos.
2.026 Só se houver objetos, pode haver forma fixa do mundo.
2.027 O fixo, o subsistente e o objeto são um só.
2.0271 O objeto é o fixo, o subsistente; a configuração é o mutável, o instável.
2.0272 A configuração dos objetos forma o estado de coisas.
2.03 No estado de coisas os objetos se ligam uns aos outros como elos de uma cadeia.
2.031 No estado de coisas os objetos estão uns em relação aos outros de um modo determinado.
2.032 O modo pelo qual os objetos se vinculam no estado de coisas constitui a estrutura do estado de coisas.
2.033 A forma é a possibilidade da estrutura.
2.034 A estrutura do fato é constituída pelas estruturas dos estados de coisas.
2.04 A totalidade dos subsistentes estados de coisas é o mundo.
2.05 A totalidade dos subsistentes estados de coisas determina também quais estados de coisas não subsistem.
2.06 A subsistência e a não-subsistência dos estados de coisas é a realidade.
(Chamamos de fato positivo à subsistência de estados de coisas e de negativo à não-subsistência dėles.)
2.061 Os estados de coisas são independentes uns dos outros.
2.062 Da subsistência ou da não-subsistência de um estado de coisas não é possível concluir a subsistência ou a não-subsistência de outro.
2.063 A realidade inteira é o mundo.
2.1 Fazemo-nos figurações dos fatos.
2.11 A figuração presenta a situação no espaço lógico, a subsistência e a não-subsistência de estados de coisas.
2.12 A figuração é um modelo da realidade.
2.13 Na figuração, seus elementos correspondem aos objetos.
2.131 Os elementos da figuração substituem nela os objetos.
2.14 A figuração consiste em que seus elementos estão uns em relação aos outros de um modo determinado.
2.141 A figuração é um fato.
2.15 Os elementos da figuração estando uns em relação aos outros de um modo determinado, isto representa as coisas estando umas em relação às outras.
Esta vinculação dos elementos da figuração chama-se sua estrutura e a possibilidade dela, sua forma de afiguração.
2.151 A forma de afiguração é a possibilidade de que as coisas estejam umas em relação às outras como os elementos da figuração.
2.1511 A figuração enlaça-se com a realidade; dêste modo: estendendo-se para ela.
2.1512 É como padrão de medida que se aplica à realidade.
2.15121 Somente os pontos mais exteriores das linhas divisórias tocam o objeto a ser medido.
2.1513 Segundo essa concepção, também pertence à figuração a forma afigurante que precisamente a torna figuração.
2.1515 A relação afigurante consiste nas coordenações dos elementos da figuração e das coisas.
2.1515 Estas coordenações são, por assim dizer, antenas dos elementos da figuração, com as quais esta toca a realidade.
2.16 Os fatos, para serem figuração, devem ter algo em comum com o que é afigurado.
2.161 Deve haver algo idêntico na figuração e no afigurado a fim de que um possa ser a figuração do
outro.
2.17 O que a figuração realidade para poder correta ou falsamente deve ter em comum com a afigurar à sua maneira é sua forma de afiguração.
2.171 A figuração pode afigurar qualquer realidade cuja forma ela possui.
A figuração espacial, tudo o que é espacial; a colorida, tudo que é colorido, etc.
2.172 Sua forma de afiguração, contudo, a figuração não pode afigurar; apenas a exibe.
2.173 A figuração representa seu objeto de fora (seu ponto de vista é sua forma de representação), por isso a figuração representa seu objeto correta ou falsamente.
2.174 A figuração não pode, porém, colocar-se fora de sua forma de representação.
2.18 O que cada figuração, de forma qualquer, deve sempre ter em comum com a realidade para poder afigurá-la em geral - correta ou falsamente - é a forma lógica, isto é, a forma da realidade.
2.181 Se a forma da afiguração é a forma lógica, a figuração chama-se lógica.
2.182 Tôda figuração também é lógica. (No entanto, nem tôda figuração é, por exemplo, espacial.)
2.19 A figuração lógica pode afigurar o mundo.
2.2 A figuração tem em comum com o afigurado a forma lógica da afiguração.
2.201 A figuração afigura a realidade, pois representa uma possibilidade da subsistência e da não-subsistência de estados de coisas.
2.202 A figuração representa uma situação possível no espaço lógico.
2.203 A figuração contém a possibilidade da situação, a qual ela representa.
2.21 A figuração concorda ou não com a realidade, é correta ou incorreta, verdadeira ou falsa.
2.22 A figuração representa o que representa, independentemente de sua verdade ou falsidade, por meio da forma da afiguração.
2.221 O que a figuração representa é o seu sentido.
2.222 Na concordância ou na discordância de seu sentido com a realidade consiste sua verdade ou sua falsidade.
2.223 Para reconhecer se uma figuração é verdadeira ou falsa devemos compará-la com a realidade.
2.224 Não é possível reconhecer apenas pela figuração se ela é verdadeira ou falsa.
2.225 Não existe uma figuração a priori verdadeira.
3 Pensamento é a figuração lógica dos fatos.
3.001 "Um estado de coisas é pensável" significa: podemos construir-nos uma figuração dêle.
3.01 A totalidade dos pensamentos verdadeiros figuração do mundo.
3.02 O pensamento contém a possibilidade da situação que êle pensa. O que é pensável também é possível.
3.03 Não podemos pensar nada ilógico, porquanto, do contrário, deveríamos pensar ilògicamente.
3.031 Já foi dito por alguém que Deus poderia criar tudo, salvo o que contrariasse as leis lógicas. Isto porque não podemos dizer como pareceria um mundo "ilógico".
3.032 Representar na linguagem algo que "contrarie as leis lógicas" é tão pouco possível como representar, na geometria, por meio de suas coordenadas, uma figura que contrarie as leis do espaço; ou, então, dar as coordenadas de um ponto inexistente.
3.0321 Podemos perfeitamente representar um estado de coisas espacial contrário às leis da física, nunca, porém, contrário às leis da geometria.
3.04 Um pensamento correto a priori seria aquêle cuja possibilidade condicionasse sua verdade.
3.05 Desse modo, só poderíamos conhecer a priori que um pensamento é verdadeiro se a verdade dêle fosse reconhecível a partir do próprio pensamento (sem objeto de comparação).
3.1 Na proposição o pensamento se exprime sensível e perceptivelmente.
3.11 Utilizamos o signo sensível e perceptível (signo sonoro ou escrito, etc.) da proposição como projeção da situação possível.
O método de projeção é o pensar do sentido da proposição.
3.12 Chamo signo proposicional o signo pelo qual exprimimos o pensamento. E a proposição é o signo proposicional em sua relação projetiva com o mundo.
3.13 A proposição pertence tudo que pertence à projeção, não, porém, o que é projetado.
Portanto, a possibilidade do que é projetado, não, porém, êste último.
A proposição, portanto, não contém seu sentido, mas a possibilidade de exprimi-lo.
("O conteúdo da proposição" quer dizer o conteúdo da proposição significativa.)
Está contida na proposição a forma de seu sentido, não, porém, seu conteúdo.
3.14 O signo proposicional consiste em que seus elementos, as palavras, estão relacionados uns aos outros de maneira determinada.
O signo proposicional é um fato.
3.141 A proposição não é uma mistura de palavras. (Do mesmo modo que o tema musical não é uma mistura de sons.)
A proposição é articulada.
3.142 Sòmente fatos podem exprimir um sentido, uma classe de nomes não o pode.
3.143 Que um signo proposicional seja um fato, isto é velado pela forma comum de expressão, escrita ou impressa.
Na proposição impressa, por exemplo, o signo proposicional não parece essencialmente diferente da palavra.
(Foi assim possível a Frege chamar à proposição de nome composto.)
3.1431 A essência do signo proposicional se torna muito clara quando, em vez de o pensarmos composto de signos escritos, o pensamos composto de objetos espaciais (tais como mesas, cadeiras, livros).
A posição espacial oposta dessas coisas exprime, pois, o sentido da proposição.
'3.1432 Não: "O signo complexo aRb' diz que a por R se relaciona com b", mas: que "a" por um certo R se relaciona com "b", isto quer dizer que aRb.
3.144 É possível descrever situações, impossível no entanto nomeá-las.
(Os nomes são como pontos, as proposições, flechas; possuem sentido.)
3.2 Nas proposições os pensamentos podem ser expressos de tal modo que aos objetos dos pensamentos correspondam elementos do signo proposicional.
3.201 A êsses elementos chamo de "signos simples" e à proposição, "completamente analisada".
3.202 Os signos simples empregados nas proposições são chamados nomes.
3.203 O nome denota o objeto. O objeto é sua denotação. ("A" é o mesmo signo que "A".)
3.21 À configuração dos signos simples no signo proposicional corresponde a configuração dos objetos na situação.
3.22 Na proposição o nome substitui o objeto.
3.221 Posso nomear apenas objetos. Os signos os substituem. Posso apenas falar sobre êles, não posso, porém, enunciá-los. Uma proposição pode apenas dizer como uma coisa é, mas não o que é.
3.23 Postular a possibilidade de signos simples é postular a determinabilidade do sentido.
3.24 A proposição que trata de um complexo achase numa relação interna com a proposição que trata das partes constituintes dêle.
O complexo só pode ser dado por sua descrição, e esta concordará ou não concordará com êle. A proposição que se ocupa de um complexo inexistente não será absurda, mas simplesmente falsa.
Que um elemento proposicional designa um complexo, isto pode ser visto graças a uma indeterminabilidade na proposição na qual êle aparece. Sabemos por esta proposição que nem tudo está determinado. (A designação da universalidade já contém, com efeito, uma protofiguração.)
A reunião dos símbolos de um complexo em um símbolo simples pode ser expressa por uma definição.
3.25 Existe apenas uma e uma única análise completa da proposição.
3.251 A proposição exprime o que é expresso de um modo determinado e dado claramente: A proposição é articulada.
3.26 O nome não é para ser desmembrado ademais por uma definição: é um signo primitivo.
3.261 Cada signo definido designa por sôbre os signos pelos quais é definido, e as definições mostram o caminho.
Dois signos, um signo primitivo e outro definido por signos primitivos, não podem designar pela mesma maneira. Nomes não podem ser decompostos por definições. (Nenhum signo isolado e autônomo possui denotação.)
3.262 O que no signo não vem expresso é indicado pela aplicação. O que os signos escondem, a aplicação exprime.
3.263 As denotações dos signos primitivos podem ser esclarecidas por elucidações. Elucidações são proposições que contêm os signos primitivos. Só podem, portanto, ser entendidas quando já se conhecem as denotações dêsses signos.
3.3 Só a proposição possui sentido; só em conexão com a proposição um nome tem denotação.
3.31 A cada parte da proposição que caracteriza um sentido chamo de expressão (símbolo).
(A própria proposição é uma expressão.)
A expressão é tudo que, sendo essencial para o sentido da proposição, as proposições podem ter em comum entre si.
A expressão caracteriza uma forma e um conteúdo.
3.311 A expressão pressupõe as formas de tôdas as proposições nas quais pode aparecer. Constitui a marca característica comum a uma classe de proposições.
3.312 Representa-se, pois, por intermédio da forma geral das proposições que a caracteriza.
E assim a expressão será, nesta forma, constante e todo o resto, variável.
3.313 A expressão será representada por uma variável, cujos valores são as proposições que contêm a expressão.
(No caso limite, a variável torna-se constante, a expressão, a proposição.)
A uma tal variável chamo de "variável proposicional".
3.314 A expressão tem denotação apenas na proposição. Cada variável pode ser concebida como variável proposicional.
(A variável nome também.)
3.315 Se transformarmos uma parte constituinte de uma proposição numa variável, existe então uma classe de proposições constituída por todos os valores da proposição variável assim resultante. Esta classe ainda depende em geral do que nós, segundo um ajuste arbitrário, chamamos partes da proposição. Se, no entanto, transformarmos todos aquêles signos, cujas denotações foram determinadas arbitra riamente, em variáveis, ainda continua a existir aquela classe. Esta, porém, não mais depende de qualquer ajuste, mas únicamente da natureza da proposição. Corresponde a uma forma lógica — a uma protofiguração lógica.
3.316 Fixam-se os valores que a variável proposicional deve tomar.
A fixação dos valôres é a variável.
3.317 A fixação dos valores das variáveis proposicionais consiste na indicação das proposições, as quais têm como marca característica comum a variável.
A fixação é uma descrição dessas proposições.
A fixação se ocupará, pois, únicamente dos símbolos, não se ocupando de sua denotação.
E para a fixação é essencial ser apenas uma descrição de símbolos, nada assertando sobre o designado. Como se dá a descrição da proposição é inessencial.
3.318 Concebo a proposição — do mesmo modo que Frege e Russell — como função das expressões que nela estão contidas.
3.32 O signo é o que no símbolo é sensivelmente perceptível.
3.321 Dois símbolos diferentes podem ter, pois, em comum o mesmo signo (escrito ou sonoro, etc.) — designam dêsse modo de diferentes maneiras.
3.322 A marca característica comum a dois objetos nunca pode indicar que os designamos com o mesmo signo, embora com diferentes modos de designação; porquanto o signo, sem dúvida, é arbitrário. Poderíamos, portanto, escolher dois signos diferentes, e onde permaneceria o que é comum na designação?
3.323 Na linguagem corrente amiúde acontece que a mesma palavra designa de modos diferentes — pertencendo, pois, a símbolos diferentes — ou ainda duas palavras, que designam de modos diferentes, são empregadas na proposição superficialmente da mesma maneira.
Assim a palavra "é" aparece como cópula, como sinal de igualdade e expressão da existência; "existir", enquanto verbo intransitivo do mesmo modo que "ir"; "idêntico", enquanto adjetivo: falamos a respeito de algo, mas também de que algo acontece.
(Na proposição "Rosa é rosa" ("Grün ist grün") — onde a primeira palavra é nome de pessoa e a última é adjetivo — ambas as palavras não têm apenas denotações diferentes, mas constituem símbolos diferentes.)
3.324 Nascem, assim, as confusões mais fundamentais (de que tôda a filosofia está plena).
3.325 Para evitar êsses erros devemos usar uma linguagem simbólica que os exclua, pois esta não empregará superficialmente o mesmo signo para símbolos diferentes, e não empregará signos, que designam de maneira diversa, do mesmo modo. Uma linguagem simbólica, portanto, que obedeça à gramática lógica — à sintase lógica.
(A ideografia de Frege, ou a de Russell, constitui uma tal linguagem que, no entanto, não elimina todos os erros.)
3.326 Para reconhecer o símbolo no signo deve-se atentar para seu uso significativo.
3.327 O signo determina uma forma lógica somente junto de sua utilização lógico-sintática.
3.328 Se um signo não tem serventia, então êle é desprovido de denotação. Este é o sentido do lema de Occam.
(Se tudo se passa como se um signo tivesse denotação, então êle a terá.)
3.33 Na sintaxe lógica a denotação de um signo não há de desempenhar papel algum, a sintaxe deve elaborar-se sem que surja a preocupação com a denotação, devendo pressupor apenas a descrição das expressões.
3.331 Feita esta observação, consideremos a Theory of types de Russell: o erro dêste se revela quando, ao elaborar as regras dos signos, teve de apelar para a denotação dêsses signos.
3.332 Nenhuma proposição pode assertar algo sôbre si mesma, pois o signo proposicional não pode estar contido em si mesmo (aí está tôda a Theory of types).
3.333 Uma função por isso não pode ser seu próprio argumento, pois o signo da função já contém a protofiguração de seu argumento, e não contém a si própria.
Tomemos, por exemplo, a função F(fx) podendo ser seu próprio argumento; haveria então uma proposição "F(F(fx))", em que a função externa F e a interna F teriam denotações diferentes; a interna tendo como forma ϕ(fx), a externa, ψ(ϕ(fx)). Ambas as funções têm em comum apenas a letra "F" que nada designa.
Isto se torna claro logo que, em vez de "F(F(u))", escrevemos "(∃ϕ) : F(ϕu) . ϕu = Fu".
Isto liquida o paradoxo de Russell.
3.334 As regras da sintaxe lógica devem ser entendidas de per si, desde que se saiba apenas como cada signo designa.
3.34 A proposição possui traços essenciais e acidentais.
Acidentais são os traços que derivam da maneira particular de produzir o signo proposicional; essenciais, aqueles que sozinhos tornam a proposição capaz de exprimir seu sentido.
3.341 É pois essencial na proposição o que é comum a todas as proposições que podem exprimir o mesmo sentido.
E do mesmo modo é em geral essencial no símbolo o que é comum a todos os símbolos que podem preencher o mesmo fim.
3.3411 Seria então possível dizer: o nome autêntico é aquilo que todos os símbolos que designam o objeto têm em comum. Daí resultaria paulatinamente que nenhuma composição é essencial para o nome.
3.342 Há com efeito em nossa notação algo arbitrário, mas o seguinte não o é: se determinarmos algo arbitràriamente, então algo a mais deve ocorrer. (Isto depende da essência da notação.)
3.3421 Um modo particular de designação pode ser desimportante, mas é sempre importante que seja um modo possível de designação. Esta é a situação na filosofia em geral: o singular se manifesta repetidamente como desimportante, mas a possibilidade de cada singular nos dá um esclarecimento sobre a essência do mundo.
3.343 Definições são regras para a tradução de uma linguagem a outra. Cada linguagem simbólica correta deve deixar-se traduzir numa outra segundo tais regras: isto é tudo o que elas têm em comum.
3.344 O que designa no símbolo é o que é comum a todos os símbolos pelos quais o primeiro pode ser substituído de acordo com as regras da sintaxe lógica.
3.441 É possível, por exemplo, exprimir do seguinte modo o que é comum a tôdas as notações para as funções de verdade: é-lhes comum, por exemplo, poderem ser substituídas pela notação "∼p" ("não p") e "p ∨ q" ("p ou q").
(Com isso se indica a maneira pela qual uma notação especialmente possível nos pode dar esclarecimentos gerais.)
3.3442 O signo do complexo não se divide pela análise arbitràriamente, de modo que sua divisão fôsse diferente em cada construção proposicional.
3.4 A proposição determina um lugar no espaço lógico. A existência dêsse espaço lógico é assegurada apenas pela existência das partes constitutivas, pela existência das proposições significativas.
3.41 O signo proposicional e as coordenadas lógicas: é isto o lugar lógico.
3.411 O lugar geométrico e o lógico concordam em que ambos consistem na possibilidade de uma existência.
3.42 Se bem que a proposição deva determinar apenas um lugar do espaço lógico, o espaço lógico inteiro já deve ser dado por ela.
(Em caso contrário, novos elementos — em coordenação — sempre se introduziriam por meio da negação, da soma lógica, do produto lógico, etc.)
(O andaime lógico em volta da figuração determina o espaço lógico. A proposição apanha o espaço lógico inteiro.)
3.5 O signo proposicional empregado e pensado é o pensamento.
4 O pensamento é a proposição significativa.
4.001 A totalidade das proposições é a linguagem.
4.002 O homem possui a capacidade de construir linguagens nas quais cada sentido se deixa exprimir, sem contudo pressentir como e o que cada palavra denota. — Assim se fala sem saber como os sons singulares são produzidos.
A linguagem corrente forma parte do organismo humano e não é menos complicada do que êle.
É humanamente impossível de imediato apreender dela a lógica da linguagem.
A linguagem veda o pensamento; do mesmo modo, não é possível concluir, da forma exterior da veste, a forma do pensamento vestido por ela, porquanto a forma exterior da veste não foi feita com o intuito de deixar conhecer a forma do corpo.
Os acordos silenciosos para entender a linguagem corrente são enormemente complicados.
4.003 A maioria das proposições e questões escritas sôbre temas filosóficos não são falsas mas absurdas. Por isso não podemos em geral responder a questões dessa espécie, apenas estabelecer seu caráter absurdo. A maioria das questões e das proposições dos filósofos se apóiam, pois, no nosso desentendimento da lógica da linguagem.
(São questões da seguinte espécie: o bem é mais ou menos idêntico do que a beleza?)
Não é, pois, de admirar que os mais profundos problemas não constituam propriamente problemas.
4.0031 Tôda filosofia é "crítica da linguagem". (Por certo, não no sentido de Mauthner). O mérito de Russell é ter mostrado que a forma aparentemente lógica da proposição não deve ser sua forma real.
4.01 A proposição é figuração da realidade.
A proposição é modêlo da realidade tal como a pensamos.
4.011 À primeira vista, a proposição — em particular tal como está impressa no papel — não parece ser figuração da realidade de que trata. Mas tampouco a escrita musical parece à primeira vista ser figuração da música, e nossa escrita fonética (letras), figuração da linguagem falada.
No entanto, essas linguagens simbólicas se manifestam, também no sentido comum, como figurações do que representam.
4.012 É óbvio que percebemos como figuração uma proposição da forma "aRb". Aqui o signo é òbviamente um símile do designado.
4.013 E quando entramos no que é essencial dessa figuratividade vemos que ela não é perturbada por aparentes irregularidades (como o emprego de ♯ e de ♭ na escrita musical).
Porquanto também essas irregularidades afiguram o que devem expressar, apenas de outra maneira.
4.014 O disco da vitrola, o pensamento e a escrita musicais, as ondas sonoras estão uns em relação aos outros no mesmo relacionamento existente entre a linguagem e o mundo.
A todos é comum a construção lógica.
(Como na estória dos dois jovens, seus dois cavalos e seus lírios. Num certo sentido, todos são um.)
4.0141 Que exista uma regra geral por meio da qual o músico possa apreender a sinfonia a partir da partitura, regra por meio da qual se possa derivar a sinfonia das linhas do disco e ainda, segundo a primeira regra, de novo derivar a partitura; nisto consiste propriamente a semelhança interna dessas figuras aparentemente tão diversas. E essa regra é a lei de projeção que projeta a sinfonia na linguagem musical. É a regra da tradução da linguagem musical para a linguagem do disco.
4.015 A possibilidade de todos êsses símiles, a figuratividade inteira de nosso modo de expressão, se apóia na lógica da afiguração.
4.016 Para compreender a essência da proposição, convém pensar na escrita hieroglífica que afigura os fatos que descreve.
E dela provém o alfabeto sem perder o que é essencial na afiguração.
4.02 Isto se vê ao entendermos o sentido do signo proposicional sem que êle nos tenha sido explicado.
4.021 A proposição é figuração da realidade; pois conheço a situação representada por ela quando entendo a proposição. E entendo a proposição sem que o sentido me seja explicado.
4.022 A proposição mostra seu sentido.
4.023 A proposição mostra, se fôr verdadeira, como algo está. E diz que isto está assim.
Por meio da proposição a realidade deve ser fixada enquanto sim ou enquanto não.
Por isso deve ser completamente descrita por ela.
A proposição é a descrição de um estado de coisas.
Assim como a descrição de um objeto se dá segundo suas propriedades externas, a proposição descreve a realidade segundo suas propriedades internas.
A proposição constrói o mundo com a ajuda de andaimes lógicos, e por isso é possível, na proposição, também se ver, caso ela fôr verdadeira, como tudo que é lógico está. Pode-se de uma proposição falsa tirar conclusões.
4.024 Compreender uma proposição é saber o que ocorre, caso ela fôr verdadeira.
(É possível, pois, compreendê-la sem saber se é verdadeira.)
Ela será compreendida, caso se compreenda suas partes constituintes.
4.025 A tradução de uma linguagem para outra não se dá como se se traduzisse cada proposição de uma numa proposição da outra, mas somente as partes da proposição são traduzidas.
(E o dicionário não traduz apenas substantivos, mas ainda verbos, adjetivos, conectivos, etc.; e trata-os todos de modo igual.)
4.026 As denotações dos signos simples (das palavras) nos devem ser explicadas para que as compreendamos.
Com as proposições, no entanto, compreendemo-nos a nós mesmos.
4.027 Está na essência da proposição poder comunicar-nos um nôvo sentido.
4.03 Uma proposição deve comunicar nôvo sentido com velhas expressões.
A proposição nos comunica uma situação, de sorte que deve estar essencialmente vinculada a ela.
E a vinculação consiste precisamente em que ela é sua figuração lógica.
A proposição só asserta algo enquanto é figuração.
4.031 Uma situação é justaposta à proposição, por assim dizer, por tentativas.
É possível dizer diretamente: esta proposição representa esta ou aquela situação, em vez de esta proposição tem êste ou aquêle sentido.
4.0311 Um nome presenta uma coisa, outro, outra coisa, e estão ligados entre si de tal modo que o todo como quadro vivo — (ein lebendes Bild) — presenta o estado de coisas.
4.0312 A possibilidade da proposição se estriba no princípio da substituição dos objetos por meio de signos.
Meu pensamento basilar é que as "constantes lógicas" nada substituem; que a lógica dos fatos não se deixa substituir.
4.032 A proposição é uma figuração da situação únicamente enquanto fôr lògicamente articulada.
(Também a proposição Ambulo é composta, pois sua raiz com outra desinência nos dá outro sentido, o mesmo acontecendo se esta desinência estiver com outra raiz.)
4.04 Tanto se distinguirá na proposição quanto na situação que ela representa.
Ambos devem possuir a mesma multiplicidade lógica (matemática). (Cf. a mecânica de Hertz a propósito dos modelos dinâmicos.)
4.041 Esta multiplicidade matemática não pode naturalmente ser de nôvo afigurada. Ao afigurar não é possível colocar-se fora dela.
4.0411 Se quiséssemos, por exemplo, exprimir o que é expresso por "(x) . fx" apondo um índice junto a "fx", a saber: "Univ. fx", isto não bastaria — não saberíamos o que foi universalizado. Se quiséssemos indicá-lo por um índice "α" — tal como "f(xα)", isto também não bastaria — não conheceríamos o escopo da designação da universalidade.
Se quiséssemos tentar graças à introdução de uma marca no lugar do argumento — por exemplo: "(A, A) . F(A, A)" —, isto também não bastaria, pois não poderíamos fixar a identidade das variáveis. E assim por diante.
Todos êsses modos de designação não bastam, porquanto não possuem a necessária multiplicidade matemática.
4.0412 Pelo mesmo motivo não basta a explicação idealista da visão das relações espaciais por meio de "óculos espaciais", já que êstes não podem explicar a multiplicidade que essas relações possuem.
4.05 Compara-se a realidade com a proposição.
4.06 Somente por isso a proposição pode ser verdadeira ou falsa, quando ela é uma figuração da realidade.
- ↑ Os algarismos que enumeram as proposições isoladas indicam o peso lógico dessas proposições, a importância que adquirem em minha exposição. As proposições n.1, n.2, n.3, etc., constituem observações à proposição n.° n; as proposições n.m1, n.m2, etc., observações à proposição n.° n.m, e assim por diante.